A internet das coisas, coisifica as pessoas, para que elas possam chegar fatiadas em alguns megabits até o seu celular. Mas gente fragmentada é gente morta, só há autopsia onde já não há vida, ninguém pode amar só um pedaço, as pessoas são sempre inteiras, embora inconclusivas.
Foi assim que conheci Fabíola, num vídeo de alguns minutos que povoou meu Feed de notícias. Eu nunca tomei um café com Fabíola, nunca soube das suas inseguranças, dos seus fetiches, não sei se ela tem filhos, se ela acorda cedo, do que ela tem medo. Não sei se Fabíola precisa de dinheiro, se largou a escola, se brigou com os pais, se foi abandonada por um ex marido agressivo ou se foi abatida por um avassalador amor proibido.
Não sei se Fabíola ajuda uma ONG, comunga aos domingos, trabalha 8 horas por dia e nos fins de semana faz um bico. Nunca esbarrei Fabíola no supermercado, não sei se ela é dona de um sorriso simpático, ou é agressiva com o caixa demorado. Tudo que sei de Fabíola são 5 minutos de vídeo, suficientes para uma vida inteira estigmatizada.
Sabe porque não se ama com a cabeça? Por que o cérebro é um órgão analítico, onde as coisas acontecem em pedaços. O cérebro desmembra, o coração é enlaço. Coração é órgão sintético, onde tudo que fluí é bombardeado, ele pulsa em conjunto e bate ritmado. A cabeça julga, porque quem julga desconsidera futuro ou passado, o coração perdoa, porque é órgão de troca, o gás carbônico pelo sangue oxigenado.
Assim, pelas ventas, a maioria dos sentimentos são expulsos, bufamos quando estamos com raiva, para podermos suspirar num momento depois, de prazer ou alegria, o coração precisa se livrar da raiva que entrou, para captar o fôlego propulsor de uma nova vida.
Eu não conheço Fabíola, mas bastou 5 minutos para que eu fizesse seu calvário, e antes dela, já matei muita gente enganado, por fatos íntimos que na internet são constantemente banalizados.
Eu sei que a cabeça é seduzida pelo mistério da vida alheia, pelo drama real explícito, exibido e censurado. Mas o coração, que ainda bombeia, me disse num momento sensato: – ninguém é só um fato isolado.
Reduzir uma pessoa ao seu erro, ou ao seu passado, é crueldade imensurável. Ninguém é peça de um só ato.
A monogamia católica, a retidão feminina, a traição em família, o ciúme agressivo, relacionamentos conturbados, parecem reais, possíveis e passiveis a cada um dos casais. Quem amou Capitu, poderia condenar uma traição? Me parece que não…
O que aumentou não foi o número de escândalos, infiéis e enganados, o que aumentou foi o número de celulares com câmeras…imortalizando o erro em pecados indesculpáveis. Agora, Fabíola, que já teria possíveis problemas com seu namorado, sua família, suas escolhas, sua autoestima, o suficiente para lhe causar azia, precisa se justificar também a toda comunidade virtual, que ri da sua angustia e compartilha o que lhe é mais pessoal.
Espero que as pessoas ainda sejam capazes de sentir empatia, de ver uma mulher ( ainda que errante) além de uma fatia, espero que a peche de Fabiola não a acompanhe, mas sinto que o título “ Aaah, a Fabíola que traiu o marido” ainda vai soar bastante em seu ouvido.
Não sei se a ampla divulgação desse vídeo, vai ajudar Fabíola a repensar nas suas escolhas, ou a entrar numa crise depressiva, mas prometo perguntá-la caso esbarre com ela pela vida.
Postagem original em: https://poesiacronicablog.wordpress.com/2015/12/16/ei-voce-tambem-conhece-a-fabiola/
Postagem original em: https://poesiacronicablog.wordpress.com/2015/12/16/ei-voce-tambem-conhece-a-fabiola/